O Programa Falou e Disse recebe Prado Sá, Guilherme Zagallo e Clair de Flora.

Nossos 3 juristas vieram de 3 Estados da Federação ou seja Pará, Paraná, e Maranhão. Sem dúvida nenhuma é no Estado do Pará em Carajás que se concentravam as maiores reservas de minério avaliadas em milhões de toneladas. Tanto assim que o advogado PRADO SÁ, quando a ameaça de privatização 2 anos antes entrou em pauta, isto é, em 1995, junto com o advogado ILSON PEDROSO, impetraram na 4ª Vara da Seção Judiciária Federal do Pará a 1ª Ação Popular. que abordava questões relacionadas à legalidade e constitucionalidade do processo de privatização. Hoje estas ações ainda estão em tramitação no STJ e TRF-1.

Prado Sá nasceu em Fordlândia também no Pará, é advogado há 38 anos e hoje faz Advocacia Institucional e Previdenciária com atuação no TJ/PA, TRE – 1, STJ e STF. Seu nome está associado a mais de 750 processos. Na política foi candidato a Vereador, Dep. Estadual, Federal e Senador pelo E. do Pará e também candidato a Ministro do CNJ e STJ. Atualmente preside o Observatório Nacional da Advocacia ONBr na preparação da COP 30 onde deverá apresentar um “Opainel”, em defesa da Amazônia.

Clair de Flora Martins é uma advogada graduada em direito pela PUC do Paraná (1969) e Licenciatura em Letras e Pós em Literatura na Universidade de Santa Catarina. O que a distingue entretanto, não é o seu academicismo, e sim, sua ação de luta e resistência. Desde a década de 60 participou dos movimentos contra a ditadura e acabou sendo presa e torturada. Nem isso abateu seu ânimo pois, nunca desistiu de batalhar pela Soberania do Brasil e do seu povo. Daí enverou pela política partidária e, apesar de ter sido eleita Vereadora de Curitiba em 2000 pelo PT e em 2002 pelo mesmo partido como Deputada Federal entrou em sérias divergências ideológicas com o partido o que motivou sua saída em 2007, mas, voltando a se reintegrar tempos depois. Nesse ínterim continuou com suas ações em prol das políticas públicas e dos direitos humanos em toda a sua expressão. Uma de suas lutas mais emblemáticas se refere às ações judiciais contra a privatização da Vale às quais vamos esmiuçar durante a entrevista. Quero citar uma metáfora que utiliza: “Sem a posse da VALE DO RIO DOCE podemos tirar a cor amarela da nossa bandeira“. Sem a anulação do Leilão, ela afirma teremos um prejuízo de 400 anos, tempo estimado pela Lavra de nossas reservas.

Guilherme Zagallo – Esse advogado de São Luís, já foi homenageado pela Assembleia Legislativa Estadual como Cidadão Maranhense pelo reconhecimento de seus relevantes serviços à Sociedade de todo o Estado como militante das causas sociais e a defesa intransigente da soberania e direitos humanos. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão atua desde 1992 na área trabalhista. É membro da Comissão de Acesso à Justiça do Conselho Federal e no cargo de relações nacionais em Direitos Humanos. É representante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Gestor do Comitê do Programa “Luz para Todos”. Defensor intransigente do meio ambiente implantou o movimento relativo aos Impactos Ambientais da Siderúrgica da Ilha de São Luís com danos irreversíveis à vida da população e mais: “REAGE SÃO LUIS“ onde está à frente de 40 Entidades de população civil. “JUSTIÇA NOS TRILHOS“ – denúncia contra os impactos ambientais ao longo da Estrada de Ferro Carajás.

Finalmente, esse advogado também tem ações contra a privatização da Vale que será esmiuçado durante a entrevista.

Agora vamos encaminhar aos nossos leitores e espectadores tanto da TABA TV quanto da TV RESISTÊNCIA e as outras em rede dos 3 Estados dos nossos convidados uma crônica de Helena Reis escrito em 2013 sobre a VALE DO RIO DOCE compondo o Livro também de sua autoria “CRÔNICAS DE UMA ESPOLIAÇÃO CRÔNICA” e que será sorteado durante a entrevista. (Livro completo, clique no link: https://helenareis.velosoweb.com.br/flipbook/flipbookcronicas/index.html)

A FERRO E FOGO, A VALE AMARGA O NOSSO DOCE VALE
1º de outubro de 2015
Isto somos, descendentes miúdos de audazes
pioneiros das agruras
virado capiaus generalistas
desses carrascais do Acaba Mundo.
Imprevidentes, sem ouros,
agora vendemos os ferros da morraria
e tocamos fogo na mataria.
Disto agora vivemos
queimando os verdes para fazer carvão.
Fundindo pobres ferros de exportação.
(Darcy Ribeiro)

 

Em toda a Copa do Mundo me pergunto por que o brasileiro manifesta tanto ufanismo quando o assunto é futebol. Bem sei que desde a época de Roma, os Governantes desviavam o foco dos problemas dando ao povão pão e circo. E olha que era um circo pesado, com gladiadores lutando até a morte. E ao povo cabia a decisão de poupar ou não a vida do perdedor, geralmente um prisioneiro de guerra. Que prática democrática, não? E todos saíam com a sensação de que o seu desejo era ouvido e as suas decisões respeitadas.

Entretanto, é patético perceber que o povo só é convocado a decidir, quando o tema é irrelevante e não modifica em nada o que está em curso ou já deliberado pela galera do poder. Estou aqui, pensando com os meus botões, qual a melhor forma de trazer à baila um tema que há 18 anos está atravessado na minha garganta, e acredito também que na garganta de milhares de brasileiros. Isso não é uma simples catarse, pelo contrário, temos de rever alguns erros históricos por pressentir que eles estão em via de se repetir a qualquer momento.

6 de maio de 1997 – Nossos “dirigentes”, capitaneados por FHC, tiveram a audácia de leiloar a maior empresa mineradora do país – A Vale do Rio Doce. Por que chamo de audácia? Pela tomada de decisão arbitrária, ao dispor, sem nenhum respeito, de um patrimônio do povo brasileiro, sem ao menos consultá-lo, sem saber se queria ou não, sem ouvi-lo e nem mesmo sem se importar com o seu clamor, o seu brado retumbante. Foi o arbítrio de um regime dito democrático, mas sob a forma de exceção tão perverso quanto na época da ditadura, por desconsiderar o Brasil e a sua população. Perdeu de vista a importância estratégica de um patrimônio único no mundo inteiro. Sim, porque a Vale possui uma reserva de ferro sem paralelo na história do planeta. Uma jazida a ser explorada nos próximos 400 anos. E o patrimônio da Vale envolve outros minérios, alguns tão ou mais importantes que o ferro, como nióbio – 60 mil t.; manganês – 72 milhões de t.; ouro 563 t ; cobre- 994 milhões de t.; níquel -70 milhões de t.; potássio – 122 milhões de t.; urânio – 1,8 milhões de t. bauxita- 678 milhões de t.; titânio – 1 milhão de t.; tungstênio – 510 mil t. Poucos países possuem o nióbio. É um minério pouco conhecido, mas de importância estratégica fundamental, pois é um componente indispensável na construção de turbinas de avião, tomógrafo, ressonância magnética, indústrias aeroespacial, bélica e nuclear, além de lâmpadas especiais, lentes óticas, bens eletrônicos etc. Basta adicionar algumas gramas de nióbio a uma tonelada de aço para deixá-lo mais leve e com maior resistência.

A Empresa Vale do Rio Doce, na época em que foi privatizada, tinha um patrimônio de cerca de 92 a 100 bilhões de reais. Suas reservas minerais ocupavam uma área de 240.000 km2. Esse patrimônio incluía, além dos variados minérios, a concessão de duas ferrovias com 1.800 km de estradas, nove portos, a maior frota de navios graneleiros do mundo, 580 hectares de florestas replantadas de onde extraía matéria prima para a produção de 400 mil toneladas/ano de celulose, indústria de alumínio, papel e celulose. Estava presente em 14 estados, 140 cidades, e 11 países. Seu faturamento mensal era de 12 bilhões de reais. Suas jazidas mais importantes de minério de ferro estavam em Minas Gerais e em Carajás, no Estado do Pará, e estimada em 12,9 bilhões de toneladas. Antes da venda foram despedidos 12000 empregados para que o comprador recebesse uma Empresa enxuta, sem ônus ou disputa trabalhistas.

O Governo chamou uma corretora para avaliar o preço da Empresa e a escolhida foi a americana Merryl Linch, que subavaliou o patrimônio da empresa, incluindo suas valiosas jazidas e até o faturamento do momento. O valor estimado foi de 10 bilhões de reais, dez vezes menos do que valia na verdade. E apesar dessa subavaliação, a Vale do Rio Doce foi leiloada por míseros R$ 3.300 bilhões e ainda com o dinheiro subsidiado pelo BNDES.

O mal gestor do patrimônio nacional, enquanto isso, no seu Palácio Real em Brasília, assistia de camarote e com sorriso sarcástico o povo no Rio de Janeiro, munido de pedras, paus, a enfrentar a polícia com cacetete e bombas de gás lacrimogênio, em frente à Bolsa de Valores na Pça XV, na tentativa patriótica de impedir o leilão. Nada pode deter aquela insanidade! Doamos nosso subsolo, nossas riquezas, com o argumento de que precisávamos de dinheiro para pagar a Dívida Externa. Vendemos a Vale por um quarto do seu faturamento mensal e ainda deixamos em caixa, dinheiro vivo em espécie – cerca de R$ 700 milhões de reais. Era como se comprássemos uma casa e encontrássemos na garagem uma BMW novinha. Que argumentos os vendilhões do Templo até hoje buscam? A operação Lava Jato que tanta indignação provoca nos nossos dias, em termos de perda para o país é irrisória. Podemos, sim, comparar a ausência do poder judicial em declarar nulo tal assalto, à luz do dia, ao patrimônio nacional. O Congresso não foi sequer ouvido. O executivo com todo arbítrio agiu sozinho como se fosse o único poder da República.

Em um Governo que havia conseguido controlar a inflação durante um período – leia a Crônica 3 (pág. 37), *tinha alto cacife para impor qualquer barbaridade, sem encontrar resistência de uma oposição pouco articulada a impedir que isso ocorresse. A era FHC precisa urgente de historiadores capazes, que se debrucem sobre ela para desvendar e trazer à tona, todos os crimes de lesa-pátria que ali ocorreram. O programa de desestatização chamado de PND conseguiu privatizar 70% do patrimônio nacional. E o que foi feito com os recursos das privatizações? São perguntas até hoje sem respostas, mas voltemos o nosso olhar à Vale. Por que sua venda é considerada um escândalo e até hoje tudo se arrasta e nada foi investigado? E a Polícia Federal, que tantos serviços presta à Nação, por que nunca foi acionada?

Vários itens foram arrolados para se considerar esta venda ilícita, fraudulenta e passível até hoje de ser levada e julgada pelos tribunais. São eles: a) Vícios no Edital de Venda – sob a forma de informações fraudulentas para subvalorizar a Empresa – em maio de 95, a Vale informou a Securities and Exchange Comission nos Estados Unidos serem suas reservas de MG, de 7918 bilhões de T. No Edital este valor cai para 1,4 bilhões de T; enquanto as declarações sobre as reservas do Pará passam de 4,97 bilhões de t. para 1,8 bilhões de t.; b) É consenso que a corretora Merryl Linch repassou informações sigilosas aos grupos que arremataram o leilão, três meses antes da operação de venda; c) Subavaliação da Corretora contratada para avaliar o patrimônio da Empresa e calcular o preço de venda; d) Descumprimento de regras, tais como: quem avalia o valor não pode participar da compra, e no caso a Merryl Linch participou indiretamente da concorrência por meio do grupo Anglo American, o que para o TRF compromete a imparcialidade da venda; e) Os compradores foram financiados com o dinheiro público.

Este último item podia ser hilário se não fosse trágico. Privatizamos a maior Empresa Estatal de Ferro do mundo por “10 mil réis de mel coado” e ainda fazemos uma doação surpresa ao feliz consórcio, lhe deixando um presente de rei nos cofres da empresa: R$ 700 milhões de reais e pasmem, como o grupo não era muito estribado, providenciamos com o BNDES um financiamentozinho provavelmente a longo prazo e com juros baixinhos, que ninguém é de ferro e nem quer tomar ferro, só o nosso, e saímos dizendo para a imprensa que o negócio da China, ou do Pau-Brasil, tinha sua razão de ser: honrarmos nossos compromissos externos. Só não podemos deixar de lembrar que, por descuido, a tal dívida não foi paga. E diga-se de passagem, entre 1995 e 2002 ela cresceu de R$ 108 bilhões para R$ 654 bilhões, mais de seis vezes portanto. Ou seja, quantos engodos numa só operação. Nossos dramaturgos poderiam escrever uma nova comédia dos 7 erros. Estou aceitando todos – até o sumiço do dinheiro relevo, mas não sei por que, fiquei entalada com o despautério dito pelo “Fernandinho”, nenhuma alusão ao Beira Mar: “Vendendo a Vale, nosso povo vai ser mais feliz, vai haver mais comida no prato do trabalhador”. Fernando Henrique Cardoso – declaração histórica no ano de 1996.

Pitonisa do nosso amanhã, seu oráculo ou tá quebrado ou invertido. No lugar da comida, a fome, cobrindo o verde vale com lama tóxica e deixando um rastro de destruição em massa.

Depois da venda da Vale, foram abertas muitas ações populares questionando o processo. Como a empresa está situada no Estado do Pará, as ações foram parar em Belém capital do Estado, mas o Juiz da terra, sem amor à própria terra, extinguiu todas elas sem apreciação do mérito, alegando que o fato já havia sido consumado. O Ministério Público, contudo, em 2002 entrou com um recurso. Houve uma sentença favorável determinando a realização de uma perícia para que a venda fosse reavaliada. Como em todo o processo, as etapas eram várias, e evidentemente novo regresso a Belém e novos julgamentos com as provas a serem apresentadas também pelos réus. A ação se arrastou, depois houve uma decisão judicial desfavorável, e o caso foi arquivado. Dez anos depois do início das ações populares, uma nova decisão judicial possibilitou a reabertura do processo contra a venda da Vale, fazendo com que as esperanças de reverter a privatização pudesse ocorrer*.

O novo alento se dá quando, em 16 de dezembro de 2012, a Juíza Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF), anulou a decisão judicial anterior e reabriu o caso. E ela afirma o óbvio: que a venda da Vale, além de ter sido abaixo do preço, foi financiada com o dinheiro público. Os réus são: A União, FHC e o BNDES. Eles sofrem várias acusações entre as quais a de subvalorizar o preço da Empresa.

A ação judicial, sendo coletiva, pressupõe uma mobilização da sociedade e daí foram organizados comitês por todo o país, como RJ, PR, ES, SP, MG, MT e na Câmara dos Deputados foi criada uma frente parlamentar em Defesa do Patrimônio Público.

Um dos argumentos para a privatização das nossas Empresas, excluindo a dita necessidade de fazer caixa para pagar as Dívidas, era sua ineficiência, falta de lucratividade, enfim, as Empresas estatais, ao invés de trazerem benefícios ao país, era uma espécie de peso morto, cabide de emprego, só servindo para onerar o erário público. De tanto ouvirmos esta preleção, acabamos imaginando que seja verdade. Por isso, é importante verificarmos qual o legado que uma Empresa, com tão grande patrimônio obtido a preço vil, vai deixar ao nosso país.

O Consórcio Vale, além do presente do dinheiro em caixa, foi triplamente agraciado com o grande aumento do preço das commodities nesse período. Além disso, ocorreu também a entrada da China neste mercado, com uma insaciável sede de ferro, para atender às suas indústrias. Daí o preço do minério, além de notável crescimento, foi aquecido pelo mercado chinês. Outro trunfo para o sortudo Consórcio foi a famigerada Lei Kandir. Seria essa Lei mais uma orquestração diabólica? No momento em que a Vale é privatizada em 1997, a Lei de autoria de Antônio Kandir, dep. Federal por S. Paulo, entra em vigor, concedendo isenção de ICMS aos produtos primários exportados in natura. Antes da Lei Kandir, a tributação era de 13% sobre esses mesmos produtos, e só não havia cobrança de ICMS para os produtos industrializados. Essa medida era exatamente um estímulo à industrialização para agregar valor ao produto exportado. Adriano Benayon*, analisando a Lei Kandir, nos mostra o quão nefasta ela representa aos interesses do país. Nossas riquezas vão se esvaindo como num passo de mágica, sem deixar saldo positivo, só lastro de miséria. Exaurem-se os recursos minerais – só em minério de ferro 100 bilhões de toneladas; os recursos agrários com as monoculturas, com uso excessivo de pesticida e fertilizantes químicos, empobrecendo o solo, e estes tradings do agronegócio como a Cargill, Monsanto, ADM, Bunge e Dreifus nada recolhem ao país, ao mandar para o exterior dezenas de milhões de toneladas de grãos, como a soja. Na Argentina, por exemplo, a alíquota de retenção é de 35% e do trigo, de 28%.

O sistema Norte de mineração da Vale, segundo o Blog de Luiz Nassif*, em 14 anos, rendeu ao Estado do Pará cerca de R$ 1,3 bilhão de ICMS reduzido de 13% para 0,15%. Como a Empresa, pela Lei Kandir é isenta, o repasse deve ser feito pela União. A média é de R$ 100 milhões por ano. Agora vamos ver a contabilidade da Empresa – só em 2011, as exportações foram de U$ 18,3 bilhões de dólares ou R$ 33 bilhões de reais, a maior parte de origem mineral e, portanto, isenta de impostos. Se fosse pagar o que era normal -1,3% – o Estado teria recebido em 1 ano R$ 4.290 bilhões, ou seja, em 1 ano receberia quase 4 vezes mais do que recebeu em 14 anos. E olha que não fiz a conta dos melhores anos, como os de 2005/2006 quando a receita foi em dobro. Quem colocar os dados em dúvida, aconselho que faça a sua própria pesquisa para que fique mais estarrecido do que fiquei. As reservas previstas para durar 400 anos vão acabar em 100 anos, dado o frenesi da exploração. Portanto, nosso subsolo tem sido arrancado sem dó nem piedade, e sua riqueza exportada para constituir montanhas de reserva de ferro e outros minérios, fazendo a festa na China e na Conchinchina.

Charles Alcântara, presidente do Sindifisco do Pará, afirma que a União foi a única beneficiária da Lei Kandir, e que a promessa de compensar os Estados pela queda de arrecadação, 17 anos depois, ainda não foi cumprida. A Lei atendeu aos interesses do mercado comprador, de olho em nossos produtos primários. Ele manifesta extrema revolta com a situação social do Pará, que não foi beneficiado com o pseudo progresso que a Vale prometeu trazer para a Região. E à pergunta de quem se beneficiou desse progresso, responde: “não será Parauapebas o 3º município paraense em casos de dengue, em incidência de leishmaniose, com esgoto a céu aberto, favelas urbanas, miséria, violência e prostituição, inclusive infantil. E essa é a região que abriga a maior jazida mineral do planeta. O progresso que existe é só para uma casta de um grupo reduzido. Este talvez seja o Estado mais lesado da Federação, porque tem muita riqueza, mas um povo tão pobre, tão desassistido, tão marginalizado, e que junto com Marituba apresenta os mais baixos índices de IDH do Brasil.

À medida que nos adentramos na história da privatização da Vale, fazemos novas descobertas impactantes. Como se não bastasse o nascimento espúrio desta Empresa, na sequência se vislumbra um mar de lama. De um Consórcio aparentemente frágil, sem capital nem para comprar a Empresa e muito menos para expandir seus negócios, da noite para o dia se transforma num mega Império multinacional, com negócios nos quatro cantos do planeta, e em 30 países diferentes. Ao mesmo tempo que se associa ao capital japonês e compra uma Siderúrgica na Califórnia, se expande para a Europa e compra nova Siderúrgica na França, uma empresa na Noruega. Mas isto é pouco, e então expande seus negócios para a Ásia, indo parar na Indonésia, depois na China onde faz um contrato faraônico de venda de 6 milhões de t. de ferro ao longo dos próximos 20 anos. De lá, um pulo na África, especialmente Moçambique. Na América do Sul escolhe o Chile, Peru, Colômbia e Argentina. Em pouco tempo passa a ser o maior produtor mundial de níquel e se expande no setor de fertilizantes.

E aí o falso ufanismo poderia argumentar. Viu só? Privatizamos uma Vale sem dinamismo e agora podemos compará-la com a desenvoltura de uma Empresa privada que em pouco tempo se torna dona do mundo. É de admirar sim, mas eu volto à pergunta anterior. Como é possível que um Consórcio tão carente, sem eira nem beira, se transforme em pouco tempo numa mega Empresa? Quem acompanhou o relato até agora irá matar a charada imediatamente. Recapitulamos: Desde o seu nascedouro, o monstrengo vinha sendo gestado por um pai cheio de orgulho pelo seu rebento. E ele se chama BNDES. Já em 2007, o BNDES empresta a juros, de pai para filho, a quantia de R$ 774,7 milhões, coisa irrisória e, sendo assim, no ano seguinte, o empréstimo foi mais polpudo, chegando à casa dos bilhões, R$ 7,3 bilhões para serem pagos a perder de vista. Como em família tudo se acerta, os funcionários do Banco como Demian Fiocca, se aposentam na Entidade para assumir cargos de direção na Vale. Esse empréstimo, para o bem de todos e felicidade geral da nação, foi assinado no dia 1º de abril. As coincidências mais uma vez são muito estranhas. Depois vão dizer que a casualidade virou teoria da conspiração.

E o meio ambiente? Será que vai bem obrigado, tendo como parceiro a Vale do Rio Doce? Bom, eu pensei que estivesse sozinha falando mal da Vale e de repente me deparo com uma galera da pesada, também internacional, para fazer face a uma multinacional desta envergadura: O V Encontro Internacional dos atingidos pela Vale lançam relatório inédito sobre impactos socioambientais e violações de direitos humanos. Minha pesquisa, como internauta, deu resultado e entrei direto no olho do furacão. Todos os podres do Monstrengo estavam lá organizadíssimos.

Desde 2010 ocorre uma articulação Internacional dos atingidos ou afetados pela Vale de muitas formas. Suas experiências vêm sendo compartilhadas e se formulam estratégias de ação coletiva frente ao poder público e à própria empresa para enfrentar os graves problemas gerados pela mineradora. O grupo lançou um Dossiê completo dos Impactos e Violações da Vale no mundo, com denúncias relacionadas a empreendimentos da empresa em oito países e seis estados brasileiros.

Debrucei-me durante horas na leitura deste dossiê e, pela sua extensão e minúcias, impossível reproduzir. Em breve resumo posso dizer que o desrespeito às populações locais e ao meio ambiente é a tônica. À sua passagem, como um tsunami, vai comprometendo as nascentes de água, a qualidade do solo, do clima, e deixando dejetos. Só para dar ideia do tamanho do problema, selecionei apenas 1 ano de ação nefasta – 2008 – quando gerou 657 milhões de t. de resíduos minerais, que tiveram de ser armazenados em pilhas e barragens com possibilidade de contaminação dos recursos hídricos. Em suas operações consumiu 335 milhões de m3 de água praticamente sem custo. Derramou 1563 m3 de salmoura, álcool e hidrocarboreto. Emitiu para a atmosfera 16,8 milhões de t. de dióxido de carbono. Agora, se fôssemos falar em mananciais de água, em mortandade de peixes e animais e nos seres humanos que são deslocados, violados, explorados, não haveria espaço suficiente. Um local me chamou atenção, o quadrilátero ferrífero – o quadrilátero talvez mais rico da face da terra, pois desde o Brasil Colônia lá se explorava o ouro que ia para Portugal e depois acabava sendo sugado pela Inglaterra que, afinal, com tanto dinheiro sobrando, resolveu investir em indústrias, fazendo uma revolução no mundo fabril. E hoje nesse mesmo quadrilátero, mais sôfrega que Portugal, está a Vale abocanhando tudo, acabando com as fontes de água pura que alimentam as cachoeiras dessa região exuberante que é MG e pela qual nutro especial carinho por ser minha terra natal.

Em 2012, a Vale venceu o prêmio internacional Public Eye Awards, conhecido como o Nobel da vergonha corporativa mundial e concedido a empresas com graves passivos sociais e ambientais por voto popular. O prêmio foi anunciado em Davos – Suiça, durante o Fórum Econômico. Ela foi vencedora com 25 041 votos, ficando à frente da japonesa Fukushima. Só nos quatro primeiros meses deste ano, a Vale foi alvo de protestos populares que bloquearam as operações da empresa em Buriticupu (Maranhão), Cateme (Moçambique), Sudbury (Canadá), Morowali (Indonésia), La Loma (Colombia). Em Altamira, a Vale é sócia do consórcio que constrói a Hidrelétrica de BeloMonte. Manifestantes ocuparam a barragem do rio Xingu para protestar.

 

Lira Itabirana (1989)

O Rio? É Doce

A Vale? Amarga

Ai antes fosse

Mais leve a carga

Entre estatais

E multinacionais

Quantos ais!

A dívida interna

A dívida externa

A dívida eterna

Quantas toneladas exportamos

De ferro?

Quantas lágrimas disfarçamos

Sem berro

(Carlos Drumond de Andrade)

 

 

O MAIOR TREM DO MUNDO

O maior trem do mundo

Leva minha terra

Para a Alemanha

Leva minha terra

Para o Canadá

Leva minha terra

Para o Japão

 

O maior trem do mundo

Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel

Engatadas geminadas desembestadas

Leva meu tempo, minha infância, minha vida

Triturada em 163 vagões de minério e destruição

O maior trem do mundo

Transporta a coisa mínima do mundo

Meu coração itabirano

 

Lá vai o trem maior do mundo

Vai serpenteando, vai sumindo

E um dia, eu sei não voltará

Pois nem terra nem coração existem mais.

(Carlos Drumond de Andrade)

 

Notas:

* Ver em www.muco.br

* BENAYON, Adriano – Doutor em Economia – Publicação: Globalização x Desenvolvimento – Edit. Escrituras, benayon@terra.com.br/www.a nova democracia.com.br

* Jornal ggn.com.br/blog Luisnassif – “Imposto não é com a Vale”: FLÁVIO PINTO, Lúcio – 19/05/2012

* www.justicanostrilhos.org/IMG/PDF/dossie_versa@aceb_1_O.pdf

  

Observação:

Esse artigo foi escrito antes dos acontecimentos do rompimento da barragem, mas sem me deter na tragédia, não posso deixar de mencionar o holocausto de que foi vítima Mariana, seus arredores e todo a Vale do Rio Doce. Não precisamos de bomba atômica para produzirmos nossa Hiroshima. Aliás o governo FHC a produziu através da Empresa Vale com seus muitos braços e tentáculos. Esta tragédia já foi anunciada há quase duas décadas, nós é que não quisemos ver, ouvir, intuir ou acreditar!