O Programa Falou e Disse recebe Ary Girota.

CEDAE E ARY GIROTA

HISTÓRICO – A crise da CEDAE começa em 2020 com um marco inesquecível: De repente a população da cidade do Rio de Janeiro, abre suas torneiras e tem o desprazer de notar que a qualidade da sua água não era mais a mesma, pois passou a ter gosto e cheiro intoleráveis. Esse é um fato, mas, a partir dele o problema operacional e pontual, se transformou em “colapso estrutural” e como sempre uma arma política para acelerar o discurso de privatização. O que não foi divulgado de forma enfática e contundente era a naturalização de uma prática envolvendo até o setor previdenciário qual seja, a utilização e manipulação dos recursos da CEDAE que recolhia bilhões em dividendos que eram desviados para tapar buraco das finanças do Estado do Rio de Janeiro que nesse momento vivia o auge da sua crise fiscal. Sendo assim, os recursos da CEDAE ao invés de ser investido em manutenção e modernização do sistema, servia agora para pagar as dívidas estaduais. É óbvio que isso produziu um sucateamento induzido ou pode-se dizer fabricado de forma intencional e o mais grave, quando a União começa a impor regras para a entrada do Estado no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ato contínuo, passa a utilizar a CEDAE como moeda de troca forçando a sua privatização imediata, ou seja, uma espécie de garantia ou de cobertura à inadimplência estadual. E pasmem todos, qual foi a narrativa divulgada: que estava em curso a venda da Cedae uma empresa inadimplente e praticamente falida, um fracasso total. Versão falsa e sem base na realidade dos fatos. Sabe-se que desde 1990 houve uma pressão ininterrupta dos grupos privatistas para a concretização dessa ação. Vários episódios de sabotagem e acusações cruzadas surgiram em momentos convenientes sob o ponto de vista político. E, o fato acaba ocorrendo em 2021, ou seja, 31 anos depois e não por acaso, e sim num momento atípico para qualquer mobilização da população no sentido de impedir a concretização de mais esse crime de lesa pátria. Desnecessário relembrar qual a questão mais importante para a população brasileira naquele momento? Claro, que não só o isolamento como todas as práticas que diminuísse a evolução epidêmica da COVID. Mobilização das massas? IMPOSSÍVEL! Era a hora ideal para deixar “passar a boiada” de acordo com a linguagem cínica dos nossos traidores. E qual é a verdade dos fatos: A CEDAE tinha um lucro anual consistente o que garantia a sua capacidade de realizar investimentos e, sendo uma Empresa Estatal sua lucratividade poderia ser manipulada por Governos inescrupulosos para atender outros setores deficitários. Traduzido em miúdos, a parte da Empresa que cuida do “saneamento” estava sendo objeto de cobiça de grupos privados por ser um novo “negócio de ouro”. Como assim? Uma vez que seu investimento era de fácil previsão e com a vantagem de gerar um retorno seguro e durável por décadas. Além disso, os contratos eram blindados e sempre com reajustes acima da inflação e por fim as tarifas eram garantidas por Lei e apresentavam baixa inadimplência. Assim, tornou-se um negócio superinteressante para o capital financeiro. E a questão do ganho não se esgota aí. Quando a Empresa administra toda a estrutura de saneamento de bairro e cidades ela ganha poder territorial portanto quem controla a água, controla o acesso dela nos bairros, e também controla a expansão urbana. Tudo isso acaba determinando as prioridades nos investimentos. Em última análise privatizar a água é entregar nas mãos da iniciativa privada a decisão política sobre os territórios.

O tempo passou e agora em 2025 o TCE do Rio de Janeiro suspendeu a privatização porque o processo era frágil, arriscado e podia causar danos irreversíveis ao patrimônio público, à tarifa e à segurança hídrica do RJ. É incrível saber que “não havia estudo tarifário, nem garantia de cobertura para áreas pobres, nem avaliação real dos ativos. Foi uma entrega apressada feita nas coxas como se diz e, dentro desse contexto o TCE puxou o freio” de mão.

Na verdade, a CEDAE nunca foi privatizada por completo. O que houve em 2021 foi a privatização dos “blocos de operação”. Daí empresas privadas como Águas do Rio/AEGEA, IGUÁ etc. Passaram a operar parte dos Serviços em zonas previamente definidas. mas, a CEDAE continuou existindo como estatal e mantendo ativos essenciais como a produção da água bruta como por ex. a ETA GUANDU. Na realidade a empresa não foi extinta e sim fatiada de forma operacional, territorial e parcial, mas não societária. Portanto a marca, os ativos centrais e a personalidade jurídica permaneceram no Estado.

Aproveito a oportunidade para esclarecer eventos que tem ocorrido na área de prestação de serviços públicos essenciais ao dia a dia da população do Estado. Estamos falando particularmente da Água e Saneamento através da CEDAE e levantando também a questão da Eletrobrás. Por que a CEDAE voltou para as mãos do Estado e a Eletrobrás não?

A CEDAE foi privatizada parcialmente, não venderam a Empresa, só concessões de operação, mas, a Estatal continuou existindo com ativos estratégicos e no momento em que haja alguma irregularidade suspende-se os contratos pois existe a reversibilidade.

No caso da ELETROBRÁS a privatização foi total pois houve a venda do controle acionário e no Estatuto há uma cláusula de que o Governo só pode votar com 10%. E isso passa a ser um impedimento ou trava. A operação de compra também se revestiu com uma blindagem jurídica contra qualquer possibilidade de recompra. Caso houvesse uma reversão o custo seria altíssimo e praticamente proibitivo e sujeito a litígios internacionais. Conclusão dos fatos: A Água volta para as mãos dos seus legítimos proprietários que é o poder público, mas a Energia com toda a crença de muita gente no Governo Lula, ficou para as calendas.

Voltando a CEDAE outra questão foi o papel dos Sindicatos unidos na luta pela sua reestatização. Vamos considerar que houve não só consistência técnica, somada à persistência política e a pressão social. E quem carregou essa tríade foram: o SINDÁGUA, que é a representação dos trabalhadores da água e saneamento; o STAECNON envolvendo os técnicos e especialistas do setor; o SENGE-RJ (Sindicato dos Engenheiros) e o SINERJ (Sindicato das Estatais). É preciso enfatizar a participação dos movimentos sociais como as Associações Comunitárias, os Movimentos pela Moradia e setores da UERJ/IFICS/FASE/PACS. Essas categorias formaram um bloco histórico talvez o mais coeso depois do colapso fiscal do Estado do Rio de Janeiro que não aceitou o discurso de que a privatização era inevitável. Quero chamar atenção para o protagonismo importante do SINDÁGUA sob a liderança de Ary Girota. Através do conhecimento prático das operações envolvendo as redes, as estações e o tratamento de água, tinham em suas mãos as provas concretas de que o discurso de “ineficiência” era falacioso, sem base numa realidade concreta. A partir do momento em que as Concessionárias privadas entraram em campo veio à tona com facilidade as suas falhas e deficiências. Ato contínuo vieram as pressões e denúncias públicas com mobilização de rua, paralizações estratégicas e pressão direta no TCE, ALERJ e Prefeituras. Ou seja, botaram o bloco na rua e deixando claro quem tinha “know-how” e eficiência na matéria. Outro papel de realce foi realizado pela SINAERJ ao defender a Estatal como Projeto de Estado e realçando a CEDAE como um patrimônio estratégico e sendo assim, atuando politicamente com os representantes das Câmaras Estaduais e Municipais, deputados e vereadores numa costura política com os Conselhos de Políticas Públicas enfatizando a questão da soberania e do interesse público. Importante como já foi enfatizado foi a união e trabalho em equipe. A STAECNON por exemplo com seus técnicos especialistas na área foram testemunhas oculares de um sucateamento intencional e programado com cortes de investimentos impostos pelo Governo e tudo isso previamente planejado para desestabilizar a eficiência da CEDAE e justificar sua venda. E finalmente não podemos omitir a atuação técnica jurídica do SENGE que foi responsável em produzir laudos, notas técnicas, pareceres desmontando a modelagem do BNDES e enfatizando ao público sobre as perdas da empresa com a dos ativos estratégicos subavaliados, além de questionar formalmente no TCE sobre tarifas, riscos e ilegalidades e isso em linguagem técnica sempre respeitada não só nos tribunais como na imprensa e, com ausência de argumentos contestatórios. A chave da vitória realmente foi a união entre os setores mencionados produzindo força política, técnica, jurídica, além de força moral e força nas ruas com atos, audiências públicas lotadas e mobilização em comunidades afetadas. Para finalizar não podemos deixar de mencionar que o BNDES entre 2019 e 2022 operou sob um alinhamento ideológico com Paulo Guedes cuja prioridade máxima eram as privatizações com redução do Estado e a transferência de setores essenciais ao capital privado. E o modelo da CEDAE seguia essa cartilha: fatiamento, leilão, cobrança por blocos reafirmando as premissas de eficiência. Em audiência pública o presidente do BNDES garantiu que “a população não pagaria mais” mesmo com as estimativas de que as empresas acessariam bilhões em concessões. A contradição acabou por levantar suspeitas sobre a seriedade dos cálculos de custo-benefício. Um órgão como o BNDS servir como ponta de lança para planejar uma operação crime contra a população é inadmissível. É vergonhoso que tenha citado a CEDAE como “a joia da coroa” das privatizações. E na pressa em tratar a água como ativo financeiro em vez de um bem público essencial e vulnerável, camuflou as avaliações de impacto social, ambiental e operacional, mas, que felizmente acabou vindo à tona alguns anos depois.

Niterói, 05 de dezembro de 2025.

Helena Reis