O Programa Falou e Disse recebe Rosalice Fernandes e Eliete Ferrer.

ELIETE FERRER foi militante estudantil e social durante os anos 60/70 na cidade do Rio de Janeiro. Como muitos, enfrentou a ditadura militar lutando por democracia e justiça social. Esteve engajada no movimento estudantil participando da efervescência política daquele momento marcada por mobilizações contra o autoritarismo e inúmeras outras pautas. Com o advento do AI- 5 essa geração sofreu repressão, prisões, torturas e perseguições. Portanto sua trajetória se insere na luta coletiva que deixou marcas profundas na política brasileira e na construção da memória sobre os “anos de chumbo” onde merece também destaque o papel feminino como um elemento de vanguarda indo prá luta com destemor e peito aberto.

Em março de 73 Eliete vai para o Chile porque no Brasil faltava ar literalmente. O AI-5 fez do país um pré cárcere ou um porão escuro usado como esconderijo onde reinava o medo, um sussurro proibido e só o silêncio aceito! A debandada para o Chile significava a busca do sol, e Allende no Governo era o novo símbolo de esperança, um lugar onde se podia respirar, viver e novamente sonhar. Três meses depois o inesperado golpe no Chile cai como um raio ou a 2ª sentença imposta por Pinochet.  E o exílio recomeça antes mesmo de Eliete desfazer as malas. Qual o terror Eliete viveu no Chile nesse meio tempo será narrado pela nossa personagem da vida real. E também sua ida posterior para a Suécia, incluindo anos depois a sua volta prá casa.

ROSALICE FERNANDES
Um dia, lá nos idos de 70,
nossa protagonista Rosa
havia entrado
no chão duro da CSN
prá estar lado a lado com o operário
com o pulmão cheio de país,
o coração somado à razão
seus sonhos miravam
muita construção
e prontas respostas ao padrinho Paiva
Havia uma mulher!
E através dela, um país
que queria crescer
Ela desceu do sonho
para o chão da fábrica,
onde o ferro respira
o suor do povo.
Volta Redonda, Volta Redonda!
Até os martelos
ecoam o seu nome.
Ela levou a esperança no bolso
e trouxe a verdade no olhar.
Conversava com o operário,
como quem conversa com o futuro
em coro: mãos negras, mãos calosas,
mãos da pátria em Construção

De repente, o Estado Militar
repudiou essa ação
Em uma Nação,
não deve haver mulher que pensa
que organiza, que articula.
Interdita! Seu lugar é na prisão
e sem perdão,
engendraram a solução:
jogá-la nua…
mantê-la no congelador
Frio pra calar
Frio pra quebrar
frio de apavorar.
Toscamente concluíram
que o tratamento de choque
agora com sabor de frio
sem rastros, marcas, vestígios
novo tipo de força, muito mais violenta
a tal mulher merecia
e dela tudo foi arrancado:
roupa, calor
dignidade, decência.
Tentaram até tirar-lhe o nome
ignorar sua identidade
Esse era o Brasil, um país
com medo da sua própria força,
onde o medo vestia farda,
que vivia da farsa
que arrancava a voz
o medo que arrancava roupa
o medo que inventava o frio,
que impunha a nudez,
exigia o silêncio,
congelava os sonhos.
Quiseram impedir que ela sonhasse
Mas o frio,
não conseguiu abrigo
no seu coração, porque lá
ardia a chama da
mulher brasileira
que nunca fugiu à luta
e nem cabe num porão
Ela não caiu
não congelou e prá
surpresa da torcida
saiu de lá muito mais viva
muito mais pura
sem nenhuma cicatriz
transformou-se, ardeu em fogo
caminhou ao sol
sem corrente na alma
sem gelo na lembrança.
escolheu viver! foi sua, essa vingança.
Vida é justiça! Ela venceu!
Não permitiu que o passado
seja o dono do agora
Ela escolheu a vida
Escolheu o lado e a margem do Rio
Escolheu seguir e nunca desistir
Caminha ao sol
Nenhum tirano perdoa isso,
porque resistir, sobreviver
é ato político muito mais violento
contra quem quis te pegar,
te apagar, te amordaçar.
E a gente, resiste com honra
sem apelo, sem bravata
nos inspirando em Rosalice
e admirando um certo botão
que virou rosa e hoje
se alicerça no muro
da Escola Pública Primária
feita pros filhos dos operários.
Que a memória seja chama e
não prisão e que nos chamem
se alguém ousar tocar
no corpo da democracia
com mãos geladas de morte!

Niterói, 1º de novembro de 2025.
Helena Reis