A FILOSOFIA NOS DIAS DE HOJE
Crônica – Helena Reis
Vejo alguns filósofos nas mídias televisivas usarem seus conhecimentos para nos fazer refletir sobre banalidades da vida atual. O que é o conhecimento e o que a filosofia tem de especial capaz de nos ajudar a compreender tantas questões do nosso quotidiano, achar um sentido para a vida, talvez para a morte e a aprofundar a importância das relações entre os seres humanos, nos fazendo perceber que todos nós fazemos parte de uma raça universal, apesar de nossas culturas por condições geográficas, climáticas e históricas são bem diferentes. Pessoalmente considero, acima de tudo, que a filosofia seja importante e necessária nos dias de hoje porque ela força o pensamento a pensar. Mas que frase ambígua seria essa, se o pensamento é um ato voluntário, não poderia ser um elemento coercitivo de si mesmo. Ledo engano, de modo geral nós, comuns mortais, quando emitimos uma opinião com aparente extrema convicção, muitas vezes estamos simplesmente repetindo uma ideia alheia que inconscientemente ouvimos e assimilamos e, ato contínuo nos apossamos, tomando-a como reflexão do nosso próprio pensamento. Daí, o estudo da filosofia é também fundamental para o nosso treino mental pois, do mesmo modo que o corpo físico e suas atividades práticas precisam e exigem treinamento e repetição contínua, as mentais, com seus caminhos subjetivos e tortuosos vão requisitar muito mais a nossa atenção e zelo.
Esse preâmbulo, um pouco longo, foi um mero exercício do meu próprio pensamento quando ganhei de presente, de um amigo recente, um Livro chamado: “TOMÁS DE AQUINO COMENTÁRIO À METAFÍSICA DE ARISTÓTELES IX -XII”. Suspirei fundo ao folheá-lo. Gosto dos filósofos modernos como Foucault, Deleuze etc. Posso ir a Spinoza, de repente a Nietzsche, e deles extrair reflexões que me ajudem a trabalhar o sentido do meu estar no mundo, nosso processo de evolução e, de uma certa maneira, a linguagem que adotam tem uma sintonia com a época em que vivo.
Agora, Aristóteles interagindo séculos depois com Tomás de Aquino, vai ser um osso duro de roer e eu, sozinha não terei cacife para entendê-los e mais, a filosofia só me eletriza quando consigo transportá-la para o meu pensamento como uma ferramenta no entendimento e compreensão das questões dos tempos atuais. Muito raso, irão dizer, mas, é essa a expressão da verdade ou pelo menos da minha verdade limitada e despretensiosa. Mas outra coisa também me pertence, gosto dos desafios, pelos menos daqueles dos quais me pergunto por que não? Admitir a derrota, sem sequer entrar na luta, é atitude dos tímidos e covardes. Um desconforto face a si mesmo! Mas tentar e retroceder admito ser muito pior! Que dilema estou me metendo. Vou começar a leitura e vejo na prática como ficou minha cabeça e se me acrescentou alguma coisa. A “viagem” começa com uma discussão que eu chamaria por falta de melhor definição como “acadêmica” pois sempre chegamos a ela e nos atordoamos pelo impasse em resolvê-la. Meu exemplo canhestro seria: “o que nasceu primeiro? O ovo ou a galinha”? No caso, a polêmica se dá pelo confronto entre ATO e POTÊNCIA. Essa discussão ocupa 11 lições de T.de Aquino em sua releitura de Aristóteles, cada uma apresentando um argumento, modificado pela posição em que foi colocado. É claro, antes de tudo temos de entender direitinho o que seja potência e o que seja ato. Quem vem primeiro? Qual a importância de cada um? Isso posto, pode-se dar início ao jogo de raciocínio ou de palavras, mas, Aquino estabelece como prioridade a potência e nela já faz uma outra distinção qual seja potência ativa e potência passiva e, engraçado, aventa a 3ª possibilidade de não ser nem uma, nem outra, mas, uma posição neutra o que todos nós também conhecemos como impotência. Nesse momento estabelece duas qualidades para a potência: ser racional ou irracional. Ao ler isto, minha razão e os meus instintos pularam: Pensei na minha potência, ou mero reflexo, em me defender de algum ataque ou perigo. Agiria no automático? ficaria paralisado ou partiria para a ação? E isso poderia variar também dependendo do momento. Me lembrei de viver algumas dessas situações em que o medo não me deteve. Mas, como se pode fazer um raciocínio filosófico a partir de ações concretas? Nesse momento embolei o meio de campo ou a cabeça pois introduziu de imediato a diferença entre Potência e Ato e ele mesmo não concordando com a afirmativa que garante que algo só está em potência quando está em ato. Também diz que de certo modo o ATO precede à POTÊNCIA. Será? Vou divergir ou não? Se a minha potência me empurra ao ato, ambos interagiram simultaneamente. O ato de se defender dando chifradas só existe se o animal tem chifres, pensei. E eu sei pensar? Os mestres não existem para que o meu pensamento “lógico” não saia dos trilhos? Antecipei-me no caso, pois o mestre está dizendo ainda, como reforço que, de certo modo, o ato precede a potência, enquanto certas coisas estão em nós por costume, e é necessário realizá-las para ter determinadas potências. E aí se rende ao próprio argumento sustentando que há outras potências que não advém dos seus atos como o que é potência, mas que não é adquirido a partir do ato de sentir, mas a partir do próprio sentido se sente. UFA! Vamos por dúzias de ovos e galinhas nesta celeuma! Até aí me chamou a atenção a palavra costume. Cada época solidifica ideias e atos em função da repetição. Quantos séculos o entendimento humano não tomou a Terra como redonda e temeu navegar pelos mares, chegar às suas bordas e precipitar-se exatamente no precipício que seria o princípio e o final do planeta. E assim, brigando comigo mesma, chego a 9ª lição atraída pela palavra incorruptível. Nesse caso o Ato é anterior pela substância nas coisas incorruptíveis como o ato em relação à potência. E por sua vez, as coisas necessárias não estão em potência, pois sempre estão em ato, e não podem ser e não ser. Chegamos agora à questão moral, isto na 10º lição quando questiona o que é melhor e pior sobre o ato e potência em relação ao bem e ao mal; em relação ao bem o ato é melhor que a potência, mas diz que com relação ao mal, o ato é pior que a potência. E é necessário que as coisas que inteligimos estejam em ato e que a potência seja conhecida a partir do ato. Agora comecei a me achar quando ele sustenta que a verdade nas nossas enunciações é por causa da disposição da coisa. Assim, a composição e a divisão da coisa são causa da verdade e da falsidade de opinião. Nesse momento o Santo Tomás finalmente me deu munição para eu entender os nossos conflitos de hoje em que a verdade e mentira se mesclam o tempo todo e ninguém tem mais clareza entre o certo e o errado, ou o bem e o mal. Não é por acaso que muitas crianças nos dias de hoje são diagnosticadas bipolares. Pudera, o mundo já é bipolar e elas só acompanham a moda. Mas não vamos sair do tema. São Tomás de Aquino reforça Aristóteles dizendo que em relação ao mal o ato é pior que a potência e os atos não devem por isso serem ignorados e muito menos mal avaliados. Então, se os atos tem uma tal força, como se fosse uma força de Lei, conclui-se que não podemos tratá-los com irresponsabilidade, leviandade ou superficialidade. Isso posto, a conclusão que se chega é que não pode ou não deveria haver ato ruim porque um ato ruim que saiu da sua alçada, irá prejudicar pessoas, seres vivos com múltiplas repercussões à nossa volta ou mesmo distante dela. Então, todo cidadão em sã consciência é responsável por seus atos. Se nesse rol colocarmos nossos dirigentes ou o dirigente mor do país, mera redundância, consequentemente temos de imputar uma responsabilidade absurda pelos seus atos, aliás por cada um dos seus atos. E o que dizer daqueles atos ligados à pandemia da Covid que facilitaram a morte de milhares de pessoas em breve espaço de tempo pois influíram na implantação de uma política de saúde pública de cunho genocida; E se somarmos aos primeiros atos, outros atos que levaram outras centenas de milhares de pessoas a acreditarem em kits de tratamento capaz de protegê-las da contaminação e daí se tornaram vulneráveis pela ignorância das precauções mais efetivas e acabaram vindo a falecer? A lista dos desdobramentos em cada modalidade dos atos irresponsáveis são de tal ordem que eu só naquele momento me dei conta da potência da fala de São Tomás de Aquino + Aristóteles. Eu sei o quanto é doloroso habitar na ignorância e como ao ter acesso ao conhecimento, também quis criar mecanismos de fuga e julgá-lo árido ou quase desnecessário. Ao meu amigo que me enviou o livro e para traduzi-lo e publicá-lo teve antes de ralar muito e ir à Grécia aprender o grego para extrair o texto original direto da fonte, eu peço perdão pela demora em ler e agradecer o presente. Essas duas palavras Potência e Ato já faziam parte do meu vocabulário. Mas hoje elas adquiriram na retórica das palavras uma força tanto de destruição quanto de construção. À potência genocida vamos responder com o mais potente ato de construção e principalmente valorizando cada vez mais a cultura e percebendo o quanto ela é importante nesse processo.
O intelecto para Tomás de Aquino por si não erra. Seu pensamento pode parecer complexo, mas, com algum esforço consegui achar uma luzinha que me permitiu avançar na polêmica torta de hoje. Santo ou não Santo qualquer contribuição é válida!
Livro Consultado: TOMÁS DE AQUINO – COMENTÁRIOS À METAFISICA DE ARISTÓTELES: Editores: PAULO FAITANIN – Doutor em Filosofia Medieval pela Universidade de Navarra; prof. de filosofia da UFF; BERNARDO VEIGA- Doutor em filosofia pela UFRJ e Pós Doutorado UCP Páginas consultadas – 11 a 46.
Niterói, 24 de setembro de 2021