O Programa Falou e Disse recebe Vera Versiani.
Nessa 3ª feira, dia 25 de junho de 2024 às 14h, o programa “FALOU E DISSE” com HELENA REIS entrevistará alguém fora de série, afinal não é fácil encontrar um ser tão versátil e plural quanto à nossa VERA VERSIANI. Ela é feita de um amálgama tipo multimídia bem ao gosto dos dias de hoje. Com uma inteligência emocional aguçada e à flor da pele somou arte com ciência, imaginação com praticidade e nesse mix surgiu uma infinidade de talentos deveras suficiente para atender todos os gostos e paixões. Se você gosta de música, poesia, artes plásticas, ciência, matemática, violão, amor, imaginação, tudo se encaixa na personagem. Venham conhecê-la numa interação perfeita poético-musical prá lá de Marrakesh.
Conheci Vera Versiani nos idos dos anos 80 lá em Botafogo no Bar Maria Maria. Fazia parte de um trio com os violonistas Kiko Chaves e Érton Silva. Além de uma voz aguda e muito afinada, Vera ainda mandava bem no violão e mesmo sem conhecê-la na intimidade, eu sentia sua personalidade firme extravasando as cordas do instrumento. Por muito tempo não me dei conta que Vera também era compositora e principalmente letrista. Após alguns papos esparsos, nos intervalos dos shows, me inteirei que além de ser uma jovem estrela das noites em Botafogo também somava suas funções de professora e pesquisadora nas áreas de Química e Bioquímica. Quando soube finalmente que já era mãe de 2 meninas minha admiração cresceu pois, mais que ninguém, sabia o quão difícil era harmonizar atividades profissionais e a vida trabalhosa de mãe, educadora, dona de casa, além da exaustiva atuação artística em bares cariocas.
Na verdade, naquela época, veramente essa Versiani sobre a qual eu escrevo hoje, me era uma quase ilustre desconhecida. Será um exagero pensar assim? Se dou ênfase, é porque na verdade eu a ignorava na sua integridade, focando apenas na minha área preferencial como uma diva talentosa da noite.
Muitos anos ou décadas se passaram e a vida nos reaproximou de novo e, pouco a pouco fui reconhecendo uma nova talentosa Vera enveredando por mil atalhos do caminho. Li em um texto sobre ela cuja ênfase recaí na aforista e na sua poesia exalada no ar que respira advindo dessas formações diversificadas, do gosto pelas artes, dos ouvidos atentos, em leituras desenfreadas, dos múltiplos olhares e do desejo de sempre experimentar o enviesado e o trágico tanto quanto o mel de amanheceres sem guerra. Se o texto é tão poético quanto verdadeiro está a demonstrar não apenas as contradições como as pluralidades dos seres ativos e irrequietos.
PRIMEIRO TEMPO: COMO POETA
1 – MOMENTOS SÃOS (Vera Versiani)
Expulso a noite braba
que entorpece
meu corpo no silêncio
de quem esgana
certos clamores aflitos
da cidade
que a brisa faxineira
espana
Junto às águas do oceano
de palavras
que compõem o inquieto tráfego
do pensar
sigo eu
verso incógnito
encabulado
surfando normas
arfando sem desabar
O infinito cabe aqui inteiro
no labirinto que a paisagem irradia
A mão do tempo me conduz presteira
aonde quer que eu vá
sua voz me guia
Jorram em mim algumas maravilhas
driblando meu coração
usualmente indignado
Os violões não choram, cantam
nem os sonhos dormem em agonia
na plumagem viva do brocado
O que é vida senão isto
forte impacto
de momentos que nos chegam assim quietos calados?
2 – NUMA RUA CHAMADA GAGO COUTINHO (Vera Versiani)
Chove.
O arredondado múltiplo de guarda-chuvas compõe uma esteira colorida sob minha janela.
O porteiro do prédio em frente mastiga seu sanduíche enquanto vaga o olhar pelo cinza histérico do asfalto vigiado pelo teto verde das amendoeiras.
O homem das frutas se protege com o toldo improvisado e um capuz.
Ninguém para pechinchar o colorido frugal reluzente da bancada.
Nesta dobra de esquina, esticada até o largo onde descansam os olhos de Deus,
esse derramar esbelto, retocado em brilhos e toques sonolentos,
um coroar de umidade rala,
uma preguiça lânguida
de buzinar longínquo.
Nenhum pássaro.
Nenhum mico.
Nenhum esquilo.
Nenhum excepcional pensamento.
Vozes e sons dispersos.
Um latido de cachorro por detrás de uma vidraça.
O badalar de um sino.
Até parece que a vida anda mansa
e que mórbidas ilusões, guerras, golpes,
traições, tramoias, mamatas, artimanhas
fugiram céleres do dicionário.
Vez por outra:
vontade de atender ao chamado masai
e me abrigar com os ventos
na cratera de ngorongoro,
vontade de galgar os céus de infinitos mistérios
e me garantir uma vaga entre o silêncio galáctico sumidouro.
Quedo-me entre acasos e sonhos,
além de previsíveis enganos.
Agora é noite.
Bem tarde.
Há encantos e pavores.
Morcegos amam amendoeiras.
O tempo e seu bordejar confuso
de forçosos contornos e aragens
só fazem plantar incoerências
em suas frouxas margens.
Mas eu, que já me contento
com o andar de tamancos,
os desejos restritos
e o simples saber que
Gago Coutinho não era gago,
debruço-me sobre os segredos desse mundo árido
e atiro uma flor à quietude
do soturno largo.
SEGUNDO TEMPO: COMO AFORISTA
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TERCEIRO TEMPO: COMO CANTORA / COMPOSITORA
1 – Canto (versão 1)
2 – Fiandeiras de Minas
3 – Coisa Doida
4 – Arte
5 – Canto (versão 2)
QUARTO TEMPO: COMO PROFESSORA
Enfim, já falei sobre a poeta, a cantora, compositora, violonista, aforista e o que mais? Sua formação profissional relatei pouco mas, não posso deixar de mencionar que desde criança estudou piano e na adolescência apaixonou-se pelo violão daí sua sonoridade e conhecimento musical além de ter sido trabalhado tão precocemente foi completada numa Faculdade de Música o antigo Villa Lobos da FEFIERj, atual UNIRIO, e com importantes mestres de violão como Célia Vaz , Juarez Carvalho e Léo Soares além de Harmonia Funcional; Teoria Musical, Piano e Harmonia Clássica com a Professora Heloísa Fidalgo e Heloísa Bandeira; e aulas de Canto com Heloísa Madeira, Josélia Lettieri, Marçal Romero e Eládio Pérez-González.
Durante o período da ditadura houve intervenção militar na Faculdade de Música o que a fez abandonar o curso no terceiro ano, terminando a outra Faculdade que cursava, (Química na UFRJ) para viver em seguida durante quatro anos na Inglaterra, onde nasceram suas duas filhas e seu interesse forte pela Neurociência. De volta ao Brasil especializou-se em Biofísica, mas deixou a carreira de pesquisadora no Instituto de Biofísica da UFRJ, dedicando-se novamente à Música e às atividades de aulas particulares que a acompanharam desde então.
E assim pensamos que a tarefa de falar sobre Versiani havia terminado? Qual nada. Existem muito mais coisas e um programa ou um artigo é muito pouco para que toda a VERíSSIMA VERSATÍSSIMA seja traduzida ao comum dos mortais pois teremos ainda que falar sobre a professora só de Música, Canto e Violão? Não, pois tem também a Matemática.
Para terminar, vale ressaltar que Vera é fotógrafa amadora. Utiliza suas fotos tanto para ilustrar seus posts e publicações como contribuindo em sites e páginas que a acolhem.
QUINTO TEMPO: AÇÃO SOCIAL
E o que dizer de suas ações sociais no setor da cultura envolvendo tantas linguagens que ela domina como ninguém? Vera foi organizadora e regente do GRUPO VOZES, da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida, grupo que participava ativamente da arrecadação de alimentos não perecíveis para o NATAL SEM FOME.
Seu envolvimento mais duradouro entretanto foi com o Grupo cênico-musical Eco do Santa Marta, por 17 anos, com atividades artísticas, sociais e culturais tanto fora quanto dentro da favela de Santa Marta, em Botafogo. Trabalhava com textos, depoimentos e canções, inéditos ou do vasto repertório de clássicos brasileiros. Seu objetivo era contar, traduzir e preservar histórias, vivências e estados da alma, com o trabalho sensível de dez artistas (com idades entre 55 e 75 anos) integrantes do grupo.
Mais do que escrever, prefiro fazê-la falar tintim por tintim sobre seu trabalho e ainda por cima cantar suas músicas e canções.
Niterói, Helena Reis – 19 de junho de 2024.