O Programa Falou e Disse recebe André de Souza Lemos.
As raízes do nosso subdesenvolvimento remontam às nossas origens coloniais e explica em parte a inoperância do país como Nação, andando prá trás como um trem descarrilhado, perdendo a sua soberania gradativamente, desmontando suas indústrias, e com pouca sintonia com a evolução do mundo atual e até do recente protagonismo de países asiáticos.
O Brasil é um país dos paradoxos. Como inserir uma Nação como a nossa, com uma extensão territorial de fazer inveja e onde reina a diversidade de solos e climas nos permitindo criar, plantar, colher, coletar, extrair, construir, transportar, vicejar, angariar e tantas e tantas outras possibilidades ao alcance de qualquer imaginação criativa. No entanto esse conjunto espetaculoso criou uma cortina de fumaça que oculta e escamoteia os porquês da nossa dependência como País que nunca chega lá, e não alcança jamais o ranking dos desenvolvidos, mesmo que vença competições em Olimpíadas ou Copas. O que nos falta afinal? Não há dúvidas que temos de ir às nossas raízes históricas. A questão da Educação e da Cultura é uma delas. Desde o início da colonização quando recebemos uma massa populacional desprovida de conhecimento e saída muitas vezes das prisões se aventurando em um novo continente totalmente desconhecido e sem preparo algum para esta missão. A ela somamos outro povo arrancado de seus países na África e trazidos na marra na condição de escravos, sem nenhuma orientação e, para completar incluímos de forma cruel e desastrosa a população nativa sem nenhuma disposição para interagir com o caos reinante. Alguns anos se passaram e prá cá vieram os jesuítas que se por um lado trazia algum ensinamento prá galera tinha como objetivo principal catequizá-la em uma doutrina culturalmente estranha para a maioria. Portanto não é de admirar que vários séculos se passaram e até o final do século XIX as oportunidades de escolarização continuavam restritas e acessível praticamente às elites de proprietários de terras e produção e aos homens livres das Vilas e Cidades, ou seja, uma irrisória minoria da população. Todos aqueles que pensavam em estudar de fato eram filhos de pessoas ricas que os embarcavam em navios para estudar em Lisboa ou Coimbra. Chegamos ao século XX e pouca mudança ocorreu, mas, a partir da 1ª guerra mundial os nossos políticos muito pouco preparados, seja dito de passagem e, alguns intelectuais, qualificavam a analfabetismo como vergonha nacional. Muitas vozes se fizeram ouvir com o discurso de que a alfabetização era condição sine qua non ou essencial para uma elevação moral e intelectual do país, uma regeneração da massa dos pobres brancos, índios e negros libertos, todos considerados incultos e incivilizados. Se pensarmos que até 1950 ou seja 70 anos atrás mais da metade da população brasileira era analfabeta. E o que isso significava? Prá começo de conversa a exclusão da vida política, pois o voto lhe era vetado. Mas, a perda da cidadania não ficava por aí. Por acaso me deparei com um texto que reflete de forma, a mais preconceituosa possível, como o analfabeto era visto: “O analfabeto não é só um fator considerado na etiologia geral das doenças, senão uma verdadeira doença e das mais graves. Ele é um microcéfalo: a sua visão fica estreitada, porque embora veja claro, a enorme massa de noções escritas lhe escapa; pelo ouvido passam palavras e ideias como se não passassem e o seu campo de percepção é uma linha; a inteligência um vácuo; não raciocina; não entende; não prevê; não imagina; não cria” (1) Paiva 2003 página 99.
Essa trajetória de preconceito em relação ao analfabeto é uma manipulação ideológica que desacredita, rotula e condena os analfabetos e legitima sua exclusão de voto, emprego e cidadania.
Fonte: Wikipédia
Fonte: Facebook
Fonte: www.pdt.org.br/
Nem só de imbecis vive o mundo e para não nos sentirmos envergonhados temos de nos lembrar que o Brasil produziu Educadores do calibre de Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Paulo Freire viu a Educação como instrumento de mudança social. A Educação visa libertar e transformar a realidade tornando-a mais humana e permitindo que os seres sejam vistos e reconhecidos como sujeitos da própria história e não como meros objetos. Implica o domínio da realidade. A Educação deve almejar uma sociedade melhor dentro da construção de uma nova história. Nos idos de 1960 o Brasil passava por um período em que essas ideias estavam se materializando sob a forma de Projetos Nacionais de alfabetização e educação popular através das propostas de Paulo Freire. A ascensão do Regime militar acabou com a recém utopia e mais décadas de deprimente decadência do setor se manteve durante todo o período. O exílio contribuiu para que os brasileiros se reunissem em vários encontros, em países europeus como Portugal onde amadureceram as ideias de retomada das utopias interrompidas e entre elas, talvez a mais importante tenha sido a implantação de Escolas com propostas avançadas de Educação capaz de recuperar os anos de retrocesso do período militar. Nesse contexto, a Escola iria cumprir vários papéis como suprir as carências que o povo mesmo com tanta resignação ou resiliência não via a hora de ser atendido. Duas décadas de Escolas sem nenhuma proposta de mudança em suas condições precárias.
Quando Leonel Brizola após a queda do regime militar volta ao Brasil, escolhe viver no Rio, se candidata à Governador do Estado tendo Darcy Ribeiro como seu Vice e são eleitos. Aquela gestão não seria em hipótese alguma um continuísmo administrativo sem alma e sem vida. Pelo contrário, os anos no exílio exigiam um fazer diferente, um olhar para o povo abandonado jogado às traças por tanto tempo. Teria de haver uma forma radical no modo de governar direcionado principalmente para os desassistidos de número incalculável sempre à espera que a vida vá melhorar. Então, Brizola recorre à Darcy Ribeiro, um dos mais bem preparados brasileiros não apenas como teórico saído do meio acadêmico, mas, pela experiência de campo inclusive com os nossos indígenas e através de Projetos, Leis e Diretrizes sobre Educação, e como Ministro dessa área no Governo Goulart. Não foi por acaso que mais tarde é agraciado como doutor Honoris Causa em 5 Universidades do Mundo: Sorbonne, Copenhague, Uruguai, Venezuela e Brasília e eleito para a Academia Brasileira de Letras. Este homem visionário como poucos, uniu-se à Brizola não só como Vice-Governador, mas como realizador de um sonho corajoso e apaixonado nesta área da Educação conhecido como CIEPS. E a torcida do contradiz que os Vices são figuras meramente decorativas, né? E qual era a proposta destes Centros Integrados de Educação e Pesquisa? O plano pode-se dizer sem medo de errar era de uma ousadia extrema e aliada a muita coragem. E por que ponho em relevo essa noção? Ora, sabemos perfeitamente que uma “Escola de Qualidade” custa caro, consequentemente é considerada pelos donos do poder como um desperdício e, portanto, fora de cogitação ou razão. Como assim, os pobres agora vão ser crias do Governo? Suas crianças terão o luxo de fazer todas as 3 refeições por dia, terão uma experiência pedagógica em horário integral, de alta qualidade e performance e ainda por cima ter aulas de Educação física e até se preparar como atletas futuros; poderão aprender também a gostar, entender e fazer trabalhos artísticos em várias áreas como de música, artes plásticas, teatro, que maravilha! Ah, desperdício isso sim, mas, não fica só nisso. Acredita que nas Escolas vai haver unidades para recolher as crianças de rua que serão abrigadas em uma estrutura separada dentro do próprio CIEP que vai funcionar também como abrigo público. O Estado também vai contratar os “pais sociais” que irão residir nos CIEPS onde haverá algumas estruturas como casa e cuja função será não só zelar pela estrutura escolar como por alguns alunos cujos pais trabalham de 2ª a 6ª feira em horário integral e nesse espaço de tempo ficarão sob a tutela desses funcionários? As Escolas estarão então, integradas à Comunidade. Não posso deixar de mencionar as estruturas tanto de quadra esportiva, como banheiros e vestiários e também consultórios médicos, dentários e enfermagem. Faltou algo ou está completo? Agora, pensa aí cara pálida essa turma que está sendo preparada hoje vai roubar nossas vagas na Universidade amanhã e nossos empregos depois de amanhã. Que perigo. Meus filhos para entrar nas Universidades Públicas vão ter concorrentes e no final vamos acabar tendo de enviá-los para as Faculdades Particulares cada vez mais caras. Isso não é justo com a classe média. Temos de reagir! Vamos procurar a Globo. Ela vai liderar essa guerra, podem ter certeza. Audácia de bofe!
Como se diz na gíria é muita areia para o seu caminhão e isso a Globo não vai gostar. É muita audácia de pequenininho. Tá pensando que é gente. Só rindo!
Logo depois que começa a construção dos Prédios “massa” para desenvolver esse Projeto Educacional inclusivo, o povo passou a chamá-los de BRIZOLÃO. E quem idealizou sua arquitetura? Outro cérebro sintonizado com o Brasil e os brasileiros: Oscar Niemeyer o construtor junto com Lúcio Costa da nova capital em Brasília. E Niemeyer previu tudinho em detalhes e inclusive integrando as Escolas à paisagem urbana sem isolá-las através de altos muros. Era importante que a população acompanhasse de perto a mágica que se operava ali dentro naquelas Escolas do povo, para o povo e com o povo. Aí começa a revolta motivada pela inveja. Enquanto os CIEPS estivessem ocultos nos subúrbios, nos chamados Territórios, tudo bem…, mas trazê-los para a Zona Sul, para Ipanema já é demais. Escuta aqui, aquele prédio da Rua Alberto de Campos estava abandonado e o Governo comprou para fazer um CIEP e atender as crianças das favelas do entorno. Qual é o problema? Muitos, onde já se viu fazer uma Escola dessa em área tão valorizada. Junto com a Escola vem a bandidagem!
Agora vamos saber nesta entrevista com o André como foi a sua pesquisa nos arquivos da Globo? O que ele apurou? Quais as conclusões que tirou? Por que teve essa ideia 40 anos depois. E mais, vamos aproveitar para verificar se os CIEPS mantêm o mesmo ideal de antes. Se as crianças continuam sendo bem atendidas.
É claro que muita gente já sabe que após o término do 2º Governo do Brizola o barco começou a fazer água e houve a demissão de 2 000 professores bolsistas e mais 1 600 funcionários que atuavam como apoio (pais sociais, professor de Educação física, animadores culturais, bibliotecárias, enfermeiras, dentistas etc. Será que a ideia utópica de Brizola pode retornar na íntegra?
Quem é André de Souza Lemos? Sociólogo, Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares da UFRRJ, Membro do Sindicato dos Sociólogos do E.RJ (SINDSERJ); Assessor em Políticas Públicas.
Niterói, 2 de setembro de 2024.
Helena Reis