O Programa Falou e Disse recebe Loren Almeida.
Essa brasileira com descendência afro muito forte tem orgulho de suas raízes e por isso usa seu preparo e inteligência para pesquisar sobre as origens e características do povo Bantu. Dando um pequeno spoiler, quero adiantar algumas informações: Eles têm origem na região dos atuais países da África Central e Ocidental: Camarões e Nigéria, de onde começaram a migrar há cerca de 4000 anos.
Esse movimento é conhecido como Expansão Bantu que espalhou seus povos, línguas e culturas por vastas áreas da África Subsaariana e especialmente para o Sul e Leste do Continente. Eles formam um conjunto de centenas de grupos étnicos que compartilham as raízes linguísticas comuns (bantu). Muitos escravos africanos trazidos para o Brasil vieram de áreas do idioma Bantu como Angola, Congo e Moçambique.
E Loren tem essas raízes expansionistas e não por acaso é formada em Comunicação Social pela UERJ e é Mestra para o Desenvolvimento Social pelo NIDES da UFRJ. Está sempre envolvida em diversos movimentos sociais como o da ‘AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA e hoje está dando um mergulho na Ciência e Saberes “afropindorâmicos”, com enfoque em povos Bantus aqui e na África. Ou seja, os conhecimentos ancestrais, práticos e espirituais desses povos sobre; conhecimentos ecológicos como plantas medicinais, manejo sustentável da terra, florestas e rios. Prática de cura e espiritualidade baseadas na conexão com a natureza e no uso ritual de elementos naturais. Organização social e política de aldeias e comunidades, muitas vezes baseadas em princípios de coletividade, respeito aos mais velhos e oralidade. Ao falar em “Ciências Pindorâmicas“ alguns pensadores propõe uma valorização desses saberes como formas legítimas de Ciência, questionando a ideia eurocêntrica de que apenas o conhecimento ocidental é científico
ESCRAVIDÃO, ESPOLIAÇÃO DOS POVOS E SUBDESENVOLVIMENTO
Quando se fala em escravidão no Brasil, pensamos que ela tenha surgido a partir da descoberta do país em 1500 quando os portugueses, além de chegarem a uma terra maravilhosa, perceberam seu potencial valioso a ser explorado. E isso realmente ocorreu, mas, sendo índios ou selvícolas, o habitante nativo e dono do pedaço, logo, logo os portugueses perceberam não ser tarefa das mais fáceis manipular essa população que tão bem conhecia o seu território. Portanto meio século se passou nessa tentativa quando compreenderam que precisava de uma “tropa de fora” e, de certa forma já amestrada para certo tipo de trabalho muito pesado. E onde foram encontrar a solução necessária? Na Costa Oeste do Continente Africano onde uma infinidade de povos habitava há muitos séculos e já estabeleciam relações de comércio com a Europa.
Esse é um ponto em que o nosso conhecimento, as vezes rudimentar, sobre o outro Continente não sabe analisar seus detalhes e marcar suas diferenças flagrantes. O fato é que historicamente a humanidade passou por diversos estágios de desenvolvimento que começa com o modo de produção comunal no qual a propriedade era coletiva, onde o trabalho era feito em comum e os bens divididos igualmente, e o segundo, o da escravidão, causada pela expansão de elementos de dominação no interior da família e da submissão física de alguns grupos por outros. As pessoas escravizadas realizavam várias tarefas, mas o seu trabalho principal era produzir alimentos. Mesmo que em seguida, tenhamos passado para o estágio do feudalismo com a agricultura sendo o principal viés econômico ou apenas o principal meio de subsistência. O que distingue esse período do anterior é a relação da propriedade nas mãos de alguns poucos e que consequentemente ficavam com a maior riqueza ou quinhão, enquanto os trabalhadores não mais escravos e sim denominados servos não pertenciam aos senhores, mas, estavam ligados aquele feudo de um dono único. Retroagindo a essa evolução, ela não foi exatamente igual e não ocorreu na mesma época em todas as partes do mundo, daí porque principalmente no Continente Europeu, mesmo na vigência do estágio feudal em casa, como exploradores de outras áreas próximas ou afastadas das suas Costas, outra realidade teve lugar. E motivada principalmente por alianças espúrias estabelecidas com lideranças locais. Enfim, a África Ocidental foi o lugar ideal para o estabelecimento de um comércio cada vez mais intenso, não de produtos naturais, mas de seres humanos capturados por chefes locais, sob encomenda vinda do exterior. Ou seja, a África estava longe de viver uma situação de colonialismo territorial, mas, passou a ser simplesmente um celeiro de mão de obra capturada por grupos, contra outros, e feitos prisioneiros de uma guerra por mão de obra. O processo se dava por meio, além das guerras, de fraudes, banditismo e sequestros. E os efeitos dessa guerra prolongada, através de séculos, podemos imaginar terem sido muito, muitíssimos deletérios. Esse processo se deu entre 1445 e 1870 isso na contagem de todo o Continente Americano.
Em estudo do Livro de Walter Rodney um historiador da Guiana Inglesa (1) faço referência à pag. 120 onde faz uma análise das consequências maléficas para a África desse comércio escravista. Uma questão que levanta é numérica, ou seja, quantos milhões de pessoas foram levadas para fora do Continente? A estimativa de 100 milhões de escravos embarcados para as Américas é questionada para se tentar minimizar os efeitos. E outra, a perda massiva da força de trabalho na África tornou-se mais crítica porque composta de homens e mulheres jovens, fisicamente fortes. Os atravessadores dos seres optavam por vítimas entre 15 e 35 anos e de preferência a partir dos 20 anos; e a proporção era de 2 homens para cada mulher. Os europeus aceitavam algumas vezes crianças, mas raramente pessoas idosas. Como não há dados ou levantamentos censitários sobre a população nesse período, fica difícil se obter comprovação dos números, mas é óbvio que não haja nascido muitos novos bebês, já que milhões de pessoas em idade fértil e reprodutiva foram afastadas. No entanto, enquanto ocorreu, durante esse período, um crescimento populacional em todos os Continentes, somente na África houve uma estagnação populacional e nenhuma justificativa além do comércio escravista. Não pode também deixar de mencionar o comércio “escravista oriental “também conhecido como “Árabe” pelo Oceano Indico já no século XVIII e XIX, mas, servindo ao capitalismo europeu que demandava outro tipo de produto como o cravo, cultivado em Zanzibar, sob a supervisão de controladores árabes.
É curioso que no Séc. XVII, portugueses e holandeses chegaram a desencorajar o comércio escravista na Costa do Ouro e sabem por quê? Pela interferência com o comércio do ouro. No contexto do Atlântico, a mão de obra africana se tornou mais importante que o ouro, e o ouro brasileiro era oferecido em troca de escravos em Uidá no Daomé e Acra. A transição da mineração do ouro para a captura humana ocorreu entre 1700 a 1710 e nesse período de 10 anos a Costa do Ouro vendeu uma média de 6000 cativos por ano, ou seja, 60 000 escravos só nessa década. Não vamos nos esquecer que as minas de escravos da parte Ocidental vinham do Senegal, Cunene e Angola; Reinos da África como Daomé, Oió, Benim, Axanti ao longo de um cinturão que avança cerca de 320 k para o interior; em 2º lugar – parte Centro Leste :Tanzânia, Moçambique, Malawi, Norte de Zâmbia e Leste do Congo.
Para uma compreensão claríssima da realidade e a consequência trágica do tráfego escravagista, sem deixar nenhuma dúvida à respeito, é só compará-lo a uma epidemia avassaladora. Como e por quê? Numa epidemia morrem os mais vulneráveis como velhos, os doentes e as crianças. A carnificina do tráfego de escravos, é justo o contrário. Ele rejeita sobejamente essa população vulnerável e só se interessa pela mão de obra em seu momento de ouro energético. E as crianças que ficam? com o abandono dos pais vão passar a viver em condições precárias não resistindo, muitas vezes, por muito tempo. Sob o ponto de vista do processo de aperfeiçoamento e evolução dos povos vítimas desse comércio de escravização temos ainda a sublinhar que ele operou como um bloqueio direto, removendo milhões de adolescentes e adultos jovens, que são os agentes humanos dos quais a inventividade emerge. Tanto assim que os que permaneceram em áreas, duramente atingidas pela captura de mão de obra para a escravização, estavam preocupados com sua liberdade e não com melhorias na produção ou até com alguma forma de conhecimento e evolução. Página 131. Então, foram gerações duramente traumatizadas, relegadas ao 2º plano e emocionalmente desmobilizadas para qualquer processo emancipatória ou de crescimento. E dessa forma, começamos a entender o processo de como a Europa conseguiu Sub desenvolver a África.
Incrível é ouvir principalmente por parte dos Europeus, afirmativas sobre o ganho do Continente com esse comércio escabroso. Não vou repeti-las pois são, não só de uma arrogância, como de falsas falas de efeito que só iriam atuar em cérebros opacos. Entretanto, Walter Rodney de forma corajosa os traz à luz do dia para que cada um faça a sua avaliação e responda por si mesmo. Daí deixo o recado de ler esse Livro que tanto me impactou, pois antes dele enfocava e resumia a questão da escravidão de uma forma muito mais estreita, destacando-a como uma chaga e, enfatizando somente o Brasil como vítima.
Bibliografia Consultada:
RODNEY, Walter; “Como a Europa Sub Desenvolveu a África “Editora Boi Tempo – 2022- Apresentação Ângela Davis; (1) Pág. 20; (2) Pág. 131
Niterói, 11 de maio de 2025
Helena Reis