Quando a ortodoxia de galinheiro aciona a porta giratória
Que título enigmático e não vai me dizer que por trás dele se esconde conhecimentos econômicos de sábios doutores! Na verdade, não vim aqui para complicar e sim, tentar traduzir ideias propagadas aos 4 ventos, como soluções mágicas para intrincados problemas. Não tenho dúvidas que a linguagem dos “acadêmicos”, em lugar de estimular o pensamento crítico, faz justo o contrário, bloqueia não só a participação como o interesse popular. A última novidade surge com certo atraso na linha do tempo: me explico melhor e ponho os pingos nos iis. Qual é a proposta indecorosa da vez? A votação de uma PEC dando AUTONOMIA AO BANCO CENTRAL. Você ouviu bem cara pálida? Na palavra autonomia está incluída a noção de independência. Mas, independência como? em relação a que? E para que? Aí, rufam os tambores e com toda a pompa, o Governo capitaneado pelo capitão mor de plantão, quer nos fazer crer que a “autonomia do Banco Central” vai resolver questões financeiras do Brasil. Minha pergunta quase ingênua seria: mas o Banco Central Brasileiro era controlado e engessado pelo poder público até então? Por acaso sua política financeira recebe ordens diretas do Ministro da Economia? Por acaso o Bacen controla a concentração dos Bancos e seus lucros estratosféricos? Por acaso, impõe limites nas nossas altas taxas de juros, reconhecidas como as mais altas do mundo. O Bacen não acha escandaloso que os Bancos em plena crise, sejam o setor da sociedade que mais fatura? Não acham estranho que cobrem sem dó nem piedade quem precisa de empréstimo, mesmo aqueles que investem na produção e geram empregos? Ora bolas! Sabemos desde sempre que este não é o caso, e que o Bacen atua como comparsa. E tem excesso de autonomia para favorecer o mercado. Já escrevemos em outra oportunidade o desserviço que o BACEN vem prestando ao Brasil. Podemos citar uma só transação da sua alçada chamada de “operações compromissadas”. Quando o dinheiro que circula entre os Bancos atinge o patamar de 5% do PIB, o Bacen recolhe a grana e como recompensa dá aos Bancos, títulos da Dívida Pública. “O Recolhimento compulsório dos bancos comerciais” tem a função de enxugamento do meio circulante com o objetivo de contrair a economia, eliminar excesso, com a alegação de evitar a inflação. Então preferem aumentar a dívida pública do país com o argumento de garantir a estabilidade monetária. A auditora fiscal Maria Lúcia Fattorelli afirma que a sobra de caixa dos Bancos custou aos cofres públicos, só de juros, um trilhão de reais nos últimos 10 anos e ainda serviu para aumentar a concentração de renda e a elevação da taxa de juros.
Com a autonomia do Banco Central essas práticas irão mudar? Será que a autonomia vai eliminar a aliança do Bacen com os Bancos particulares? Com o mercado financeiro? Não precisaremos sobreviver à Covid para ter certeza de que esteve em curso e foi aprovado um novo engodo, tanto mais sério quanto mais o sistema se afasta da justiça social, da melhor distribuição de renda, das melhores condições de trabalho, de transporte, moradia, saúde, educação e sobretudo da geração de empregos. Essa autonomia é um cheque em branco como disse a Fattorelli. O Presidente e a entourage de Diretores, serão detentores de um poder exorbitante, num cargo quase vitalício, pois não podem ser demitidos, mesmo quando acusados de fraudes a não ser depois de condenados. O Bacen, já poderoso, vai virar agora um supra órgão em relação a todos os poderes, acima de tudo e acima de todos, seja da Pátria ou de Deus, consequentemente torna-se um atentado à democracia e à soberania. A venalidade do Congresso chegou ao ponto de fixar um mandato de 4 anos para toda a cúpula sem que haja coincidência com o mandato do chefe do Executivo ou seja, somente no seu 3º ano de gestão o Presidente do país poderá indicar os nomes que irão liderar o B.C..
Agora revelo o enigma do Economista Paulo Nogueira Batista Júnior que chama essa PLP 19/2019 de “Ortodoxia de galinheiro”. As ideias ortodoxas são aquelas que ao sofrerem uma análise mais apurada e sensível ao interesse comum da população, se revela falsa e enganosa. As vezes o processo de desmistificação de uma ideia exige anos ou dezenas de anos para que seja desvelada ao público seus verdadeiros propósitos. A crença da utilidade de independência dos Bancos Centrais logrou êxito há duas décadas. No momento em que o mundo começa a rever esses conceitos ortodoxos o Brasil chega atrasado na arena do jogo e vai resgatar uma ideia absolutamente superada. Daí Paulo apelidá-la de uma crença ortodoxa de galinheiro. Outra de suas críticas baseadas na análise internacional das práticas dos Bancos Centrais independentes é a corrupção endêmica dos detentores desse poder soberano e daí ele introduz o termo em inglês “revolving door” que é, nada mais, nada menos, do que o intenso conluio entre os interesses pessoais das administradoras das Instituição e o mercado financeiro. Daí a prática do vai e vem das portas giratórias onde na dança das cadeiras há o revezamento de cargos: o elemento sai da diretoria do Banco Central e assume postos como lobista ou consultor, ou seja, cai direto nos braços ou em altos cargos dos Bancos Privados. Nenhum critério ético que impeça os detentores de informações sigilosas de retornar ao mercado já que seu passe é tão cobiçado e, uma vez lá irá abrir o bico ou as estratégias. Para não chamar demais a atenção aguarda-se um tempo de espera de seis meses. Paulo Nogueira foi entrevistado para o Jornal da TV Cultura sobre a Independência do Banco Central. Logo, logo no mesmo Jornal, encontrou opositor para a sua metáfora do galinheiro da parte de um outro analista de plantão denominado Alexandre Schwartsman. O que poderia ter sido um debate plural numa emissora séria, virou um palco de “ego” que não quer perder seu minuto de fama. Como quase todos os economistas de hoje são comprometidos com os seus umbigos, eles defendem com veemência, essa chamada linha neoliberal, mesmo que o modelo já esteja fora de moda. Não satisfeito em criticar toda a análise formulada, o arrogante atravessador das portas giratórias, desconsiderou a estrada e a competência de Paulo Nogueira, desqualificando-o como “heterodoxo de estrebaria”. Seu procedimento para chamar atenção, é habitual. Recentemente ofendeu Márcio Porchmann, desconstruindo seus argumentos com dados falsos ou fakes na linguagem de hoje. Nada de honesto podemos esperar daqueles que querem enriquecer da noite para o dia e são capazes de vender a própria mãe. Voltando ao nosso caso, penso que teria se saído melhor se compreendesse que a manutenção do modelo tem seus dias contados. Falo isso não pelo meu achismo ou pela boca do Paulo Nogueira mas lendo algum tempo atrás as análises de altos funcionários de uma Instituição prócer do neoliberalismo, o FMI (Fundo Monetário Internacional). Através de um relatório o Vice -diretor de pesquisa do Órgão Jonathan D.Ostry junto com Prakash Loungany e Davide Furceri reconheceram as limitações das fórmulas econômicas impostas por décadas a países de todo o mundo, incluindo a América Latina: Cito alguns trechos : “ Em vez de gerarem crescimento as políticas neoliberais tem aumentado a desigualdade e colocado em risco uma expansão duradoura”. “Os custos do aumento da desigualdade são proeminentes e isso prejudica o nível e a sustentabilidade do crescimento”.
Criado após a 2ª Guerra Mundial o FMI passa a oferecer apoio financeiro temporário a uma infinidade de países, mas, revela logo logo sua verdadeira vocação – a da ingerência corrosiva, enquadrando os países, ditando regras como por exemplo: exigindo daqueles que pedem empréstimos o desmantelamento das suas Empresas Estatais através de privatizações, abertura ao livre comércio e aos investimentos estrangeiros. Com mão de ferro impõem a redução dos gastos públicos pelo chamado ajuste fiscal. Na América Latina na década de 80 quando os países precisaram de empréstimos para honrar compromisso anteriores, a asfixia foi tão drástica que o período ficou conhecido como década perdida. Só não falo do Brasil em particular para não alongar o artigo.
O triste de toda essa história de hoje, foi a supressão radical do debate econômico principalmente entre a mídia corporativa. Poucos economistas mostraram a sua cara e trouxeram à tona a importância do fato. O Núcleo da ACD (Dívida Pública) liderado por Maria Lúcia Fattorelli, que vem levantando a questão há muitos anos não conseguiu força necessária para reverter os fatos.
Niterói, 21 de fevereiro de 2021
Helena Reis