O Programa Falou e Disse recebe Luiz Mário, André de Paula e Ivo Pugnaloni.

SOBERANIA NACIONAL, JÁ!

Por que às vésperas da morte de Getúlio há 70 anos atrás trazemos à baila a questão da Soberania do Brasil? Elementar para as pessoas que conhecem a nossa história, mas, pode passar despercebido ao comum dos mortais pouco atento à inexorável perda da identidade nacional e do nosso patrimônio. Podemos identificar esse processo de solopar nossas riquezas com mais afã ou sêde há exatamente 3 décadas, ou seja, em julho de 1994 durante o Governo FHC quando silenciosamente introduziu as premissas pouco conhecidas do neoliberalismo oculto na fachada de um Plano Real que contraditoriamente doava a Soberania do país e do seu povo aos interesses internacionais. Então, qual a ligação contraditória entre esses dois períodos: Getúlio é o Fundador do Brasil Moderno, Construtor da Identidade, Consciência e Unidade Nacional, que lutou pela massa operária desde a introdução aparentemente banal de uma Carteira de Trabalho até pelos seus direitos garantidos por um conjunto de Leis Trabalhistas que até aquele momento não existia. Deu estrutura aos principais setores da vida nacional com a criação do Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio. Criou o IPHAN –Instituto de Memória e História- qual o seu significado?  Uma Nação sem memória nunca irá preservar seus objetivos, seus ideais, suas conquistas e muito menos os anseios do seu povo. Ao mesmo tempo que gerava riqueza tinha o impulso de preservá-la! Getúlio teve também a percepção de não se deixar envolver em dependências financeiras com Nações hegemônicas ou organismos criados para esse fim, por isso realizou a Auditoria da Dívida Externa reduzindo mais da metade da nossa dívida externa que redundou numa economia de muito recursos. É preciso frisar que nenhum outro Presidente tem essa coragem e hoje quando sabemos que mais da metade do nosso orçamento vai para pagar juros da dívida hoje também interna temos de tirar o chapéu ao nosso herói.

Importante frisar que, já em 1934 Getúlio nacionaliza os nossos recursos hídricos e as nossas jazidas minerais e mais à frente cria o Conselho Nacional de Petróleo e a CSN ou Companhia Siderúrgica Nacional base para a nossa indústria do aço e a Cia Vale do Rio Doce uma das maiores mineradoras do mundo com mais de 7000 concessões minerais. Ou seja minério, petróleo e gás, química, energia elétrica porque nesse turbilhão, veio depois o Conselho Nacional do Petróleo e ao fim do seu 1º mandato a Cia Nacional de Álcalis, a CHESF no Nordeste e não podemos também nos esquecer da Fábrica Nacional de Motores conhecida como FENEMÊ onde se destacou a linha de caminhões. Enfim, soube transformar um país sem personalidade numa Nação próspera com uma pujante e crescente economia. Isso porque teve um olhar abrangente e moderno para a nossa indústria nacional e a construiu a partir de suas bases nos itens já mencionados.

No 2º mandato que vai de 1951 a 1954, em resumo podemos destacar a criação do BNDES hoje BNDS ou Banco Nacional de Desenvolvimento, o Banco do Nordeste e a Criação da Petrobrás em 1953 com o monopólio da Extração, refino e transporte marítimo/terrestre, sem interferência estrangeira.

Outra agenda importantíssima foi a Consolidação da Legislação trabalhista, ou seja, o seu aprimoramento com importantes medidas como extensão da estabilidade no emprego e nas pensões e aposentadorias nos Serviços públicos de luz, força, tração, telefonia, água, esgoto etc. Limitação da jornada de trabalho a 8hs no comércio e indústria. Regulação das condições de trabalho das mulheres e dos menores. A criação de Junta de conciliação e julgamento. Estabilidade aos operários, a instituição da indenização por dispensa injusta para os empregados no comércio e indústria etc. Instituição do Salário Mínimo formulado no primeiro Governo. Neste resumo muitas outras leis importantes nos escaparam.

Fazendo um corte histórico desembarcamos em 1994 no Governo FHC 40 anos depois do suicídio de Vargas e 70 anos no aqui e agora. O Brasil já havia superado o trauma ocorrido no período militar e estava em busca de um modelo democrático que permitisse uma divisão equilibrada do trabalho e das conquistas sociais. Nesse momento, no entanto, o neoliberalismo preconizado pelo duo Margareth Tatcher e Ronald Reagan através do chamado Consenso de Washington, estava a todo o vapor ajustando as economias de múltiplos países à rígidas regras tais como a Lei da Responsabilidade Fiscal, altas taxas de juros, superávit primário, autonomia operacional do Banco Central, câmbio flutuante e baixo crescimento econômico. Foi esse em resumo o que ordenou a batuta do maestro regido pelo FMI quando as impôs em nome de ajuda ao Brasil durante a implantação do Plano Real. FHC que havia sido ministro das Relações Exteriores no Governo Itamar Franco era um intelectual conhecido como progressista, mas, que depois mudou de lado se articulando com a burguesia internacional quando se encontrava em Washington. Uma vez eleito presidente quis recuperar freneticamente o tempo perdido em que o Brasil através de uma parcela da sua burguesia ainda não havia se unido ao capital financeiro internacional capitaneado pelos americanos. Então, todas as tais regras citadas acima foram adotadas e mais, abriu a nossa economia e realizou reformas na Constituição e na Previdência para adaptá-las nova era. Medidas draconianas foram implementadas como uma forma moderna de ajuste do orçamento do Estado. Como ex cito a fixação de baixo teto salarial para os funcionários públicos e a diminuição não só dos salários como dos direitos adquiridos dos aposentados e mesmo daqueles especiais por motivo de doença ou profissões insalubres.

Pari e passo acabou com o conceito de capital privado nacional igualando o estrangeiro com o investidor brasileiro; o mais aviltante: quebrou o monopólio estatal dos setores estratégicos da economia, como as telecomunicações, o petróleo, exploração do subsolo e navegação de cabotagem.

Quando trouxemos à tona a política de Getúlio o tempo todo protegendo e preservando o nosso patrimônio, criando Empresas Estatais muito mais capazes de liderar o processo de desenvolvimento e a construção industrial do País representando na época 50% do PIB, de repente constatamos que todo esse esforço foi frustrado e o nosso patrimônio se esvai como bolha de sabão e é transferido sem nenhum pudor para o setor privado e de uma forma ignóbil, sem transparência onde a corrupção e as negociatas tomaram assento sem prestar nenhuma satisfação nem à sociedade e nem aos órgãos de controle. Ou seja, viramos a “Casa da Mãe Joana” ou uma Torre de Babel.

Nos dois mandatos de FHC sofremos a privatização de todo o setor da mineração, telefonia, ferrovia, telecomunicação, setor elétrico, petroquímico, fertilizantes e bancos estaduais. O item Bancário mereceria uma análise à parte. E mais, perdemos o controle acionário da Petrobrás e fragilizamos a Empresa de todas as formas, querendo até lhe dar um nome americanófilo como PETROBRAX. A EMBRAER também foi vendida. Mas, o crime de lesa pátria mais emblemático podemos atribuir à venda da Vale do Rio Doce. Foi uma audácia sem limite! Uma decisão arbitrária ao dispor sem nenhum respeito, de um patrimônio do povo brasileiro, sem ao menos consultá-lo, sem saber se concordava ou não, sem ouvi-lo e sem se importar com o seu clamor ou brado retumbante. Foi o arbítrio de um regime dito democrático, mas sob a forma de exceção tão perverso quanto o regime militar. Perdeu de vista a importância estratégica de um patrimônio único no mundo inteiro. Sim porque a Vale tem uma reserva de ferro sem paralelo na história do Planeta. Uma jazida a ser explorada nos próximos 400 anos. E o seu patrimônio envolve outros minerais tão ou mais importante que o ferro como o nióbio-60 mil toneladas; manganês – 72 milhões de toneladas; ouro 563 toneladas; cobre- 994 milhões de toneladas; níquel – 70 000 milhões de toneladas; potássio – 122 milhões de toneladas; urânio 1,8 milhões de toneladas; bauxita – 678 milhões de toneladas; titânio-1 milhão de toneladas; tungstênio – 510 mil t. Poucos países possuem Nióbio. Um minério pouco conhecido, mas de importância estratégica fundamental como componente indispensável na construção de turbinas de avião, tomógrafo, ressonância magnética, indústrias aeroespacial, bélica e nuclear.

A Empresa na época em que foi privatizada, tinha um patrimônio de cerca de 92 a 100 bilhões de reais. Suas reservas minerais ocupavam uma área de 240 000 km2. Esse patrimônio incluía além dos variados minérios a concessão de duas ferrovias com 1 800 kms de estrada, nove portos, a maior frota de navios graneleiros do mundo, 580 hectares de florestas replantadas de onde extraía matéria prima para a produção de 400 mil toneladas de celulose, indústria de alumínio, papel e celulose. Estava presente em 14 Estados, 140 cidades, e 11 países. Seu faturamento mensal era de 12 bilhões de reais. As mais importantes jazidas de ferro estavam em Minas Gerais e em Carajás no Pará. Antes da venda foram despedidos 12000 empregados para que o comprador recebesse uma empresa enxuta sem ônus ou disputas trabalhistas.

A corretora que avaliou o preço da Empresa foi a americana Merryl Linch que subavaliou o preço em 10 bilhões ou 10 vezes menos do que valia e ao fim e ao cabo ela foi doada, perdão, leiloada, por míseros R$ 3.300 bilhões.

O mal gestor do patrimônio nacional, enquanto isso, no seu palácio “Real” em Brasília, assistia de camarote e com sorriso sarcástico o povo nas ruas do Rio de Janeiro, munido de pedras e paus, a enfrentar a polícia com cacetes e bombas de gás lacrimogênio, em frente à Bolsa de Valores na Praça XV, na tentativa patriótica de impedir o leilão. Vendemos a Vale por um quarto do seu faturamento mensal e ainda deixamos em caixa, dinheiro vivo em espécie- cerca de R$700 milhões de reais.

Vários itens foram arrolados para se considerar esta venda ilícita e fraudulenta e passível até hoje de ser levada e julgada pelos Tribunais. As ações contra a privatização da Vale são coletivas e tem como réus a União, FHC e o BNDS. Esse capítulo sórdido da nossa história deve ser recontado e retomado pela sociedade na hora que entender claramente o que seja Soberania.

Ainda tem mais detalhes prá contar, mas vou parar por aqui.(1)

 

  • Crônicas de uma Espoliação Crônica- Via Dívida Pública e outros Males

Helena Reis – junho de 2016 – gráfica da UFF – páginas citadas 86/87

Crônica 11 – A Ferro e Fogo a Vale amarga o nosso Doce Vale.

 

Niterói, 13 de agosto de 2024.

Helena Reis